O
sociopata
Ralph
sentiu que a noite chegava com algo especial, como um presente surpresa há
muito já nem mais esperado. Ele olhou para o céu e sentiu o ar frio que
começava a soprar. Sorveu-o e fechou os olhos: precisava ir ao mercado 24h.
Ralph entrou
no seu velho Monza 2.0, à gasolina, ar de fábrica. Ligou o rádio, que tocava Monkey
business. Deu um largo sorriso lembrando de sua juventude e cantou o refrão.
Ralph
não sabia o que procurava no mercado. Sentiu-se atraído para a área esportiva. Apesar
de brasileiro, gostava do american way of life. Entre os esportes ianques, encontrou
um bastão de basebol. Todo listrado em azul, vermelho e branco. Ele manuseou-o
como um refinado examinador, de uma extremidade a outra. Sentiu a textura, o
desenho anatômico. Testou a usabilidade girando-o sobre o punho. Sorriu com o
barulho do ar soando perto de sua cabeça. Olhou-se no espelho e largou o
bastão junto do cesto de camisas de futebol americano.
Ralph pegou
um taco de hóquei. Este feito em metal com um plástico resistente nas pontas. Levou-o.
Ralph
dirigiu à noite toda. Sem rumo, sem expectativas, nem esperanças. Parecia apenas
o prazer de dirigir. Sozinho andando pela madrugada das avenidas, por vezes
punha a cabeça para fora, queria olhar as estrelas. Sentia que o vazio delas
completava o vazio de seu ser. Não sabia o que queria e nem mesmo queria querer
algo. Apenas dirigia seu carro.
Ralph
fez uma curva de 360º, ao sentir os primeiros sinais de sono, e seguiu em
direção à sua casa. Olhou o celular e viu diversas ligações de sua esposa. Ele sempre
colocava no modo silencioso ao dar seus passeios noturnos e solitários.
Ralph
viu a lua cheia. Subiu e desceu uma rua, virou à esquerda. Encontrou um homem
alto, magro, de mãos dadas a uma criança de macacão. Havia uma forma como
aquela soterrada em sua memória, num passado distante.
Ralph
reduziu e desligou o motor. Girou o volante para a esquerda.
-
Elizeu?
O
Homem olhou para trás.
Ralph
puxou o freio de mão e saiu do carro.
-
Elizeu!
-
Quem é você?
-
Lembra de mim não, filho da puta?
O
Homem ficou atônito. Colocou a criança para trás.
-
Então você sente medo, né, filho da puta?
-
O que você quer? – E o homem envergava-se, diminuindo.
-
Reparar uma injustiça há muito tempo cometida. Lembra de mim?
-
Não posso. Não consigo.
-
DO COLÉGIO MUNICIPAL, SEU MERDA!
-
Eu não lembro. Quem é você?
-
Corre, garoto. Ou vai sobrar para você também.
E
o homem aprontou-se a colocar o menino a ir.
-
Vai. Papai vai ficar bem.
-
Então você esqueceu daquela camisa suada, de um dia inteiro, não foi, Elizeu?
-
Já disse que não posso me lembrar.
-
Pois saiba que eu nunca me esqueci. Pensou que pudesse escapar dessa só porque
é favelado? Um favelado filho da puta e arrombado? Pensa que todo mundo tem
medo de você porque come merda e bebe chorume?
Ralph
deu o primeiro golpe com o taco de hóquei. O homem caiu. Tentava em vão
proteger o rosto, pois era só onde Ralph tentava acertar. Outros golpes vieram:
nas mãos, nos braços, até que o homem não mais tinha forças para se proteger. Assim
Ralph golpeou-o no rosto, liberando aos poucos a rusga do passado. Sentia todo
aquele peso de anos se esvaindo de seu coração e mente. Sentia-se aliviado, com
o taco de hóquei sujo de sangue refletindo a luz da lua.
Em
11/06/2013.