Fonsequiando
A Elesbão Ribeiro
Depois de girar pelos buracos
da cidade, encontrei meu destino num motel fedorento da Av. Brasil, desses que
o letreiro pende de um lado de velho. Além de fedorento o lugar era mal
conservado, um muquifo. Onde os ratos só entram para espantar o tédio.
Tinha à minha disposição uma
morena. Não era bonita, mas tinha grande a bunda. As roupas eram vulgares, mas
convenhamos, onde a peguei se assim não estivesse seria confundida com suas
vizinhas moradoras do mesmo bairro, vila, favela ou sei lá o que aquilo
chamasse.
Mas não, eu conhecia aquela
merda toda. E conhecia com a palma da minha mão. Sempre estaria em mim.
Indubitavelmente impresso, expresso, selado e carimbado.
Putaquepariu, disse eu
baixinho, tô ficando velho, é capaz de continuar pensando nisso mesmo depois de
morrer.
Como, senhor...?, perguntou
Rosineide. Eu levantei os olhos. Do chão para as coxas dela. Rosineide tinha
junteira, mas que disfarçava com um rebolado de adolescente mostrando o rabo.
Na hora lembrei-me do Camilo, da firma que trabalhamos na zona oeste: mulher
gostosa, é a que tem junteira, rebola mesmo sem vontade.
Dance, disse a ela, e sentei
numa cadeira salmão, desconfiando que um dia tivesse sido rosa. Não faço além
do combinado, se o amigo não sobe aí o problema é contigo, falou.
Olhei seriamente para ela, eu
só quero que dance. Você dança e fica tudo bem. Não, ela gesticulava como se
não falássemos no mesmo idioma, não vou fazer além do combinado. Ou então você
paga mais.
Quem ela pensava que era? Havia
tantas como ela. Se eu emparelhasse algumas ali elas negociariam entre si o
menor valor pra mim. Fiquei olhando aquelas coxas levemente curvadas pra
dentro, até a altura dos joelhos, depois seguiam as canelas retas, mas em
direções opostas. Até que tinham lá sua graça. Sorri.
Você deve achar que sou um
velho babão, disse ainda com o sorriso na boca. Olha, acho não, nem velho o
você é, respondeu ela, mas que tal começarmos logo? Cê qué que eu bata uma?
Ela tinha certeza de que eu era
uma merda de velho babão. Onde fui parar? Até uma puta sentia pena de mim.
Parece que debaixo do poço havia um sótão. E sim, as putas sentiam profunda
compaixão por mim. Como podia ser diferente?
Rosineide, querida, eu não
quero punheta, falei calmamente. Quero que você dance. E só dance. Entendi o
que você quer, mas pra ter showzinho tem que abrir a mão, e ela me estendeu a
palma da mão com o indicador da outra no centro.
Estava ficando puto com aquilo,
será que ela queria também me sacanear? Que porra que ela tava falando? A
mulher tinha junteira e problemas cognitivos.
Levei a mão ao rosto numa
expressão de angústia. Olha, a gente não vai meter, mesmo que “o amigo” suba.
Como?, ela me perguntou. E tinha realmente dúvida em seu rosto. Levantei e
falei, eu não meto, você dança, eu te pago e você vai embora, sorri com olhos
vidrados como se estivesse fazendo uma descoberta maravilhosa.
Rosineide titubeou, levou a mão
à cabeça e disse, tá legal, se você quer assim. Então ela pegou seu smartphone e colocou uma porra de funk
estridente e teria começado se eu não interviesse. Ah, você quer se dar de
bacana, tenho uma ótima pra gente fina, e colocou Joe Cocker, aquela mesma do
comercial. Será que ninguém cansava daquela porra?
Tira isso daí, falei com
impaciência já pegando o meu smartphone.
Pronto, agora sim. Era Miles Davis. Tinha uma música do Savatage na cabeça, que
falava sobre espinhos e sonhos, mas queria mesmo era ouvir Miles Davis. Era com
sua música que queria ver aquilo. E não descobrir que podia haver mais coisa
embaixo do sótão.
Rosineide
começou a dançar. Ela era gostosa e conseguia ficar mais gostosa ainda
dançando. Jogava os quadris de um lado para o outro, como as pancadas de um
gongo que soam e soam. E atordoam o alvo a cada colisão. Se eu metesse nela
jamais teria aquela visão, do corpo moreno, à meia luz, serpeando a hipnose,
mareando o movimento, puxando os olhos da cara, grudando na pele, de fogo e
beleza e desejo.
Rosineide ria e mandava
beijinhos. E me mostrava a bunda. Passava o pé pelas canelas, subindo. Voltava
a dançar com aquele movimento ondulante de amazona e rainha-puta. Sim, puta,
rainha e amazona a um só tempo. O que rondava minha mente era que ela não era
isso tudo por si mesma. No fundo era uma mulher comum. Como qualquer outra. O
que a fazia puta?
Eu sabia. Sempre soube. Desde
sempre. Era o mesmo que fazia minha mãe ter sido puta, ter posto minha irmã pra
ser puta e consequentemente o que levaria minha filha a ser a puta dos
coleguinhas, pelo que a mãe dela já dizia.
Elas eram mulheres comuns. De
avental sujo de gordura e lambendo colher de pau. E eram putas dependendo do
babaca que tivessem por perto. Ou lhes pagando pra dançar. Ou meter. Ou
implorar por uma punheta.
Abri o bolso da camisa e tirei
um envelope preenchido com o pó mágico que cai das asas da Sininho. Havia meses
ali. Abri uma cerveja morna e derramei tudo, sem deixar um naco sequer rolar
pra fora da boca da lata. Bebi a metade de um gole só. O gosto era horrível,
mas nunca beberia aquilo novamente. Decidira isso naquela hora. Sem chance de
voltar atrás.
Logo o efeito me nocauteou no
descanso da cadeira e turvou meu olhar como se transformado num chinês em
questão de segundos. Ainda via o corpo de Rosineide serpeando à minha frente,
como deus e o diabo em luta, em festa ou cópula. Aquilo era uma profusão
multicor de tons escuros. As ancas jogando de um lado para o outro como uma
embarcação flutuante, que não sabe se doma ou se engolido pela maré tempestiva.
Rosineide começou a falar, mas
que ela dizia? Sua voz era um amontoado de palavras desconexas, como aquela
porra de linguagem de Lovecraft. Mas sobretudo sorria. Na minha mente confusa
ela queria transar. Transar não, foder. Ela queria foder. E ela queria foder
era muito. Não que eu fosse babaca de achar que elas sentiam tesão nos caras
que as pagam, mas seu olhar me dizia isso. Tentei dizer a ela que continuasse a
dançar, mas as palavras simplesmente não saiam porque minha boca já estava
dormente.
Levantei os braços pra acenar e
ela tomou a lata das minhas mãos de um impulso. Cara, como eu queria estar
sóbrio pra dizer que não bebesse daquela merda, da mesma forma como queria ter
arrebatado os copos de que beberam minha mãe e minha irmã, e dos que beberia
minha filha, segundo a mãe dela putinha igual a avó e a tia.
Mas não adiantou. Ela tomou
tudo.
Tão logo caiu na cama, fechei
meus olhos esperando que o espinho perfurante me lançasse no sonho derradeiro,
ali, banhados pelo neon vermelho como caricaturas shakespearianas.
Rodrigo Martins
Em
14/06/16
Gostei, Rodrigo. É bom.
ResponderExcluir