segunda-feira, 21 de março de 2011

Doido (e é assim que me queres)

Nesse poema queria chegar um pouco mais próximo do Modernismo, usar aquelas ditas expressões próprias da oralidade, versos com frases de efeito e compor um poema rápido, numa singela homenagem ao ídolo Duchamp. Mas não descaracterizei minha poesia por completo. Há um pouco de rima (carne / arte; ginga / cima / domina / menina, entre outras), moderadas anáforas (Ela rebola / Ela ginga; Doido pra te encontrar / Doido pra te beijar) e o que achei a maior sacada deste poema: a proposta de uma união entre as línguas portuguesa e espanhola - algo que já havia feito em um outro poema e no momento oportuno o colocarei aqui. Achei simplesmente excepcional quando descobri isso. A relação fraternal entre ambas é de uma riqueza e beleza que só mesmo amantes das letras podem conceber. Note, querido leitor, que este poema sugere um ato sexual. Do início ao fim.


Doido (e é assim que me queres)
Não paro de pensar em você
E isso me deixa doido
Doido pra te encontrar
Doido pra te beijar
Respirar teu cheiro
Seja qualquer jeito
Sugar tua pele
Morder tua carne
Todo o teu corpo
Obra de arte!

Deus!
Quer mulher!
Ela rebola
Ela ginga
E esse olhar já por cima
– prazer que domina –
Mulher e menina
Que menina!?
Mulher!
Tu nombre és pasión
Un color de emoción
Sin compasión

Não paro de pensar em você
E isso me deixa doido
Doido por teu seio em minha boca
Sufocar teus gemidos de louca
Lamber teu pescoço e costas
Bem como gostas
Deliciosa sensação
Teus cabelos em minha mão
Um nome, uma sinfonia
Felicidade minha
Teu corpo caído no meu
Beleza, borbulhas, breu
Em 19/02/2009

quarta-feira, 9 de março de 2011

A ponte do troll - crítica

Este é um dos contos mais doces e ao mesmo tempo aterradores de Neil Gaiman. A ponte do troll se assemelha, em minha ótica, em muitos aspectos, a Estranho caso de Benjamin Button. Por quê? Porque se em Estranho caso de Benjamin Button o próprio Benjamin nasce velho, vai rejuvenescendo ao longo da trama e termina seus dias como um bebê, A ponte do troll nos mostra um retrocesso na maturidade do personagem. Ele é mais decidido em sua infância – no que ludibria o troll e não o teme – do que em sua adolescência – perde a grande chance com a menina, atribuindo a culpa ao troll – vida adulta, onde perde sua esposa.
Estas três fases possuem um ponto determinante: o encontro com o troll. Em cada uma delas, o personagem lida com esta entidade de maneira correspondente a sua idade. Porém não parecem a mesma pessoa ao longo do conto. O que se perde é justamente a auto-confiança. O que na infância era feito com tranqüilidade, com certa naturalidade, na adolescência o desespero impera e na vida adulta ocorre a entrega.
Contudo se na adolescência e na vida adulta crescem o medo, a insegurança, a imaturidade, na infância este sintoma já é percebido. Eles estão lá, imersos no personagem, como que “crescendo” com ele. E o evento onde se fazem presentes é a afirmação do personagem que diz não ter medo do troll por ser dia.
A entrega do personagem na vida adulta simboliza a perda, a perda de tudo: do que deixou de construir, da família, do desejo da adolescência. Ou seja, ele chegou ao fim de sua vida antes mesmo de morrer. Para tanto buscou o troll, seu objeto de adoração e temor, porque se sua vida chegou ao fim e seu corpo não tombou, era a hora de cumprir sua promessa (de infância).
E mais uma vez mestre Gaiman fez o que seus leitores não esperavam – ou talvez esperassem mesmo: a surpresa. Este é um dos finais mais lindos de sua obra. Enquanto se esperava que o troll desmembrasse o corpo do personagem, comesse sua carne, bebesse seu sangue, ele tão simplesmente trocou de corpo com o personagem. A descrição da visão do personagem olhando seu corpo novo, suas mãos peludas, olhando o sorriso do troll no que fora anteriormente seu corpo é de uma sutileza ímpar, que emociona o leitor, descortinando essa transmigração de almas diante de nós.
Obrigado, mestre Gaiman.

Um trecho deste conto pode ser conferido em aqui, e esta é a sinopse do filme.

Em 27/10/2010

terça-feira, 8 de março de 2011

Entrevista com Papai Noel e Ling e Ping


Esta é a primeira da série "Entrevista com personagens", onde o Mundo da Penumbra entrevistará personagens, segundo a visão de seus autores. Os personagens abaixo são do escritor Thiago, de Carta para a Companhia Noel.

Após os festejos de fim de ano e as merecidas férias de Papai Noel e sua trupe , conseguimos uma entrevista exclusiva com o dono da Companhia Noel - sim, ele mesmo - e seus ajudantes mais próximos, Ping e Ling.

Mundo da Penumbra: Em primeiro lugar gostaria de agradecer a atenção de vocês em responder ao Mundo da Penumbra. É uma honra para nós entrevistar entidades natalinas importantíssimas.

Noel: Ora, nós da Companhia Noel que agradecemos pela oportunidade.

Ling e Ping: E pela propaganda.


Mundo da Penumbra: Como é para você, Noel, dirigir por tanto tempo uma empresa líder de mercado como a Companhia Noel?

Noel: É uma satisfação. A cada ano que passa os nossos negócios aumentam. E devo tudo isso às pessoas que não param de ter filhos, um atrás do outro.

Mundo da Penumbra: Uma curiosidade que muitas pessoas tem é a respeito do critério do quê é ser bom ou mau garoto. Como é empregado esse conceito e quem observa essas crianças?

Noel: Bem, você tem que ver que as coisas mudaram, desde a época que fundei a empresa. Antes a fábrica se localizava em meu chalé de verão lá no pólo norte, mas com o passar do tempo o dinheiro foi entrando, e eu fui investindo cada vez mais até a empresa virar a multinacional que é hoje. E com o conceito de “bonzinho” e “vilãozinho” aconteceu o mesmo.
No início era bem mais fácil, não tinha tantas pessoas para julgarmos as ações. Podíamos avaliá-las por tudo o que elas faziam, e na véspera de Natal a presenteávamos. Hoje em dia as coisas mudaram, as crianças não são mais as mesmas. Os pensamentos delas são outros, e os critérios também. 50 anos atrás, se uma criança xingasse o pai, ela ficava de castigo e, por reciprocidade, não recebia o presente da Companhia no Natal. Mas hoje em dia, no século 21, as coisas estão muito diferentes, os valores mudaram. Em outras palavras: se a criança não matar e não colocar fogo na árvore de Natal, o resto está valendo.

Ping: Como o Noel falou: as coisas mudaram desde aquela época...

Ling: Eram tempos gloriosos, que faziam biscoitos para deixar para o papai Noel e ele contrabandeava para nós. Mas hoje em dia as crianças não querem saber de ter trabalho, compram os pacotes de biscoitos e pronto. Não tem mais aquela mágica de antes. Não valorizam as tradições.

Ping: Sem contar que algumas só deixam duas ou três bolachas e comem o resto do pacote. Crianças egoístas.

Ling: Mas voltando a sua pergunta, sobre quem avalia o critério, somos nós, os duendes mesmo. Noel é um cara muito ocupado, e tem que cuidar dos negócios da empresa...

Noel: Hohoho.

Mundo da Penumbra: Alguém já tentou enganá-lo negando ou afirmando algo que fez ou deixou de fazer?
Noel: Desde que o mundo é mundo sempre vão existir espertalhões. Isso acontece a todo ano. Por isso, aumentamos a nossa tolerância do que é certo ou errado, se não a empresa ia acabar falindo.

Mundo da Penumbra: Agora aos duendes, como é para vocês trabalhar na Companhia Noel?

Ling: Bem, ele nos trata como escravos. (risos)

Ping: Trabalho escravo mesmo. Somos operários e não recebemos nenhum direito trabalhista assegurado. (risos)

Noel: Hohoho.

Ling: Agora falando sério. Nós gostamos, podemos fazer o que queremos. Noel é um ótimo patrão, ele nunca nos perturba. Podemos criar a vontade que tudo sempre está bem. Ele é bem diferente dos outros espíritos...

Noel (interrompendo): Eu acho que para uma empresa crescer, o chefe tem que ser como um dos empregados, não ter distinção de cargo.

Ping: Ele é inconveniente. Mas é um bom cara, um bom administrador. A empresa não estaria no mercado esses séculos todos se ele não fosse.

Mundo da Penumbra: Já receberam propostas de outras empresas, como a Mattel, por exemplo?

Ping: Certamente. A concorrência sempre nos aborda com propostas. Falo por mim, não pelos outros. Eu nunca me venderia por menos de 5000 ao ano.

Mundo da Penumbra: E a segurança na linha de produção? Ela existe mesmo? Ou os duendes trabalham em condições impróprias?

Ling: Isso de insegurança no trabalho é história do populacho. Sempre vai ter alguém para reclamar. Você já ouviu alguém dizer que soube de um duende que morreu? Então. Somos que nem os anões.

Ping: A diferença é que eles tem a perna torta e são barbudos.

Ling: Isso depende, eu outro dia saí com uma, que meu amigo...

Mundo da Penumbra: Quais foram as coisas mais sem graça que já pediram?

Noel: Lembro de um garoto que pediu uma bola. Foi um tal de Edson, e se não em engano ele era do Brasil.

Entrevistador: do Brasil?

Noel: Sim, o povo daí geralmente não tem muita criatividade para presentes.

Ping: Lembro que uma garotinha pediu que os pais voltassem a ficar juntos. Foi um tédio só, eles eram muito caretas.

Ling: E quando aquele rapaz quis passar para faculdade, contando que o idiota era um cdf do cacete (risos). Acho que foi o presente mais fácil.

Mundo da Penumbra: E o presente que se recusaram a fazer?

Noel: Nunca nos recusamos a fazer presente algum. Tentamos atender a todos os pedidos sem distinção.

Mundo da Penumbra: Você poderia nos contar, Noel, o que personalidades históricas pediram?

Noel: Teve a vez que Colombo pediu para provarmos a teoria maluca dele de que a Terra era redonda. Eu fiquei meio contrariado com aquilo, sabe? Viajo há séculos para saber que a Terra era plana, mas como era um pedido, eu realizei e olha no que deu! Agora todo mundo acredita na baboseira dele.

Teve o Chaplin, que pediu aquele chapéu. Não foi um pedido grandioso, mas ele fez história, hohoho. Um bom garoto, o Chaplin.

Teve a Mulher Melancia e você já sabe bem o que ela pediu.

Um que me deixa orgulhoso e triste ao mesmo tempo foi o Hitler. Ele me pediu tanto o poder para dominar o mundo e chegou no final das contas o perdeu.

Sansão foi um cara maneiro, cabeludo. Eu gostava do estilo dele.

Mundo da Penumbra: Uma pergunta que nos chega por e-mail de um leitor do Mundo da Penumbra é: “como o Papai Noel atende a todos se ele sempre chega à meia-noite”?

Noel: Isso é simples. Temos redução no Imposto de Renda a cada dois presentes que entregamos, e tudo é revertido nas horas de entrega. Se entregamos dois presentes, a hora volta à meia-noite.

Mundo da Penumbra: A Marizette, que acabou de ligar para mim a cobrar, pergunta se crianças que não acreditam em Papai Noel, nem são cristãs ganham presentes se forem boas.

Noel: Com o tempo aprendemos a lidar com as coisas. Estamos em uma nova era, ninguém mais acredita no que não é lógico. A companhia Noel conseguiu burlar essa coisa toda, e não enfraquece com a falta de crença. E como só aparecemos por aqui uma vez ao ano e o relógio sempre fica voltando, só ficamos nessa terra uns dois minutos.
A empresa não faz distinção de crença ou descrença, fazemos o nosso trabalho. É com isso que acreditamos que vai chegar um dia e todos voltarão a acreditar na Companhia Noel.

Mundo da Penumbra: E uma criança egípcia, indígena, tibetana, que não faz nem idéia do que é o Natal, também ganha presente se obedecer a Rá, Tupã ou Buda?

Noel: Até ao Shalamar. Eu já disse, todos recebem presentes.

Mundo da Penumbra: Qual a mensagem que vocês deixam para as crianças que não foram atendidas esse ano?

Noel: Que continuem utilizando os produtos da Companhia Noel, pois o nosso dever é sempre servir bem a vocês.