sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Crítica dos poemas de O Tal

Lendo, relendo, divagando e analisando o livro Namorada Anarquista, de Elesbão Ribeiro, deparei-me com o conjunto de poemas que compõem a obra O Tal. E é sobre ele que trata a crítica a seguir:

Crítica do conjunto de poemas dO Tal, de Elesbão Ribeiro

O processo de criação da poética de Elesbão Ribeiro é a construção e desconstrução dos elementos que dispõe no espaço situacional. Esses elementos são sempre, em primeiro momento, dispostos com sua mais tradicional acepção. No entanto, o poeta desconstrói o que levou o leitor a essa compreensão, transformando os elementos em seu ideário oposto, para novamente citar a ordem tradicional – ou levantar impressões de que voltará a fazê-lo – e finalmente conduzir a outro ponto de interpretação, que pode ser mais distante ainda que a ideia original sugeria.
O que temos na obra de Elesbão Ribeiro é o constante processo de transformação dos elementos atirados ao espaço poético. Nada pode ser declarado fixo, nada possui constância. Temos apenas a certeza de que os elementos se transformarão durante o curso do poema e além, em suas sequências.
Como vemos nos poemas de O Tal, as metamorfoses sofridas pelo mestre, seu discípulo, a empregada e o próprio mosteiro – que aqui reforça a ideia do sema tradicional na relação mestre / aluno – tornam os poemas quase líquidos devido sua inconstância. A natureza metamórfica dos elementos faz-se presente a cada verso, surpreendendo o leitor pela possibilidade de situações ocorridas.
O fato que mais provoca graça é a relação entre bofetadas de mestre e discípulo, onde é o discípulo quem age assim na maior parte das vezes. A ideia do tradicional vai por água abaixo.
A empregada representa o mundo externo ao mosteiro, com seu ceticismo às “lições” que não são de todo entre aspas. Ela representa também o pragmatismo ao não se deixar aprofundar nas questões debatidas entre ambos.
O cenário – que geralmente parece ser vazio em obras do tipo – é fundamental para lembrar a todo instante ao leitor da seriedade e ebriedade que um aprendizado de tal importância deve ter, mesmo sendo transfigurado ora em mosteiro, ora em convento.
Por fim, os questionamentos do discípulo, os enigmas do mestre não são o non sense declarado. Antes, são cruciais para definir o humor na obra, descontruir a imagem de ambos os personagens, desacreditar o leitor da relação tradicionalmente evocada ao que vem a ser um mestre e seu aluno, para no fim mostrar que havia de fato um aprendizado e nada fora gratuito ou tresloucado durante as inúmeras mutações sofridas por seus elementos.
Só então é aí perceptível a relação do nome do conjunto de poemas O Tal com o taoísmo. O que a princípio dispôs-se com uma imagem tradicional, reconfigurou-se com seu inverso em valores, mas que no fim convergiu para um novo entendimento do que vem a ser, não o Tao, mas O Tal.
E que brilhante ideia a de não usar pontos, vírgulas e afins.
Desconstrução total!

Rodrigo Martins

Em 03/12/2014.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A borboleta negra ou Quando borboletas, leões e lobos brincam de roda

É o tipo de texto que vale mais pela linguagem que pelo enredo. Procurei pautar numa certa inocência de Lewis Carol, Peter Gabriel. Procurei utilizar imagens mentais como se num livro ilustrado.

A borboleta negra

(ou Quando borboletas, leões e lobos brincam de roda)

          A borboleta negra deixou o jardim. Deixou para trás lírios e lilases, petúnias e begônias, jasmins e afins. Deixou a colorida fragrância do jardim. Deixou a claustrofóbica segurança do jardim. Alçou vôos maiores: o perigo da liberdade.
          As asas negras refletiam irregularmente o prisma da luz solar. Púrpura de todos os tons irrompia. Profusão de luz tênue. Luz reconfortante, sonolenta.
          O bater de asas tercinado a valsava, rodopiando ao final do compasso, repleto de repetições: o padrão da felicidade de se ter asas e voar. Mas não o mais alto possível, cartesianamente, porém o mais alto que se consegue, que o sonho completa à perfeição, à sinuosidade de quimeras e dragões.
          E a bela borboleta não era feliz. Porque o sentido de felicidade não existia em seu estado. O que existia era o vôo: o espetáculo da borboleta negra.
          Eis que um leão surgiu. Nunca se soube se refletia a luz do sol ou se ele era a própria luz que o sol nos dá todo dia, que fertiliza nossas mulheres, filhas e netas. Sol que beija em lábios de fogo.
          O leão era orgulhoso e bateu na borboleta. Bateu uma, bateu duas, bateu três vezes. Bateu até se cansar. De suas patas altivas caíam farelos e finos pós brilhantes. Pós musicais, pós luminosos na noite que caía. O leão não sentiu pena. Porque a ele era permitido esse direito. A ele todos os seres viventes obedeciam e prestaram juramento acerca de chegada da escura noite eterna.
          O leão se foi e com a Lua Grávida, surgiu um lobo. Seu pêlo refletia a lâmina lunar. Uma suave brisa o acariciava e beijava seus lábios. Os olhos amarelos do lobo eram tristonhos, pois vinham de uma ferida há muito maculada, sangrando um vermelho turvo. Eram olhos de dó. Com toda sua força, o lobo sorveu os farelos e o pó brilhante, negro e púrpura, por vezes azul do mar noturno. Sorveu com vivacidade, com a juvenilidade da primavera, que traz os brotos da colheita do mês seguinte.
          O focinho do lobo – que agora felpudo e esvoaçante no cume do rochedo – encheu-se de luz. Pequenos pontilhos de estrelas nuas, virgens de louras madeixas, colo macio, alvor marmóreo. O lobo que uivava toda noite para a Lua Grávida, dessa vez não uivou. E hoje não sabemos se a borboleta negra deixou de existir, como uma chama que se apaga, ou se habita em sonhos matinais de relva fresca e noturna disputa de clãs, mas foi assim que as estrelas ensinaram aos homens a eternidade.

Rodrigo Martins

Em 19/09/2012.


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Estranha morte em paz

Poema um tanto quanto diferente dos que estão aqui presentes. Vindo de uma época bem anterior aos demais, faz parte da poesia castelar, que em sua totalidade pode ser concebida pertencente ao tonus lunar.
Gira em torno de uma nova mitologia, escura, melancólica, terrivelmente sensível. Gestada também no universo espectral e teatral de Guimaraens, Poe e Dickinson.

Estranha morte em paz

Surge uma estrela no céu, onde estamos, no cemitério
De Nova Mag Mell, toda cheia de mistérios,
Sangra o nosso peito, ouvimos sons funéreos:
A filha de Helicon e um negro deus de Ériu.

Naufragam as galés nesta vida tormentosa,
Cobrem-se de marés nossas almas tristes;
Sabemos que é vida escura, não mar de rosas:
O sonho de dois não deixa a torre riste.

A lua nos cobre de horror,
Ilumina nossa cova aberta
– reminiscências da Era Fomor –

Tua mão desata da minha,
A Morte, ao longe, nos flerta,
Caminhamos sem mágica na varinha.

Rodrigo Martins

Pelos idos de 2003, caminhando pelo Arpoador.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Nocturnal

Um dos mais recentes sonetos que compus, voltando à antiga forma lunar, com a intensidade de Cruz e Sousa, o aparato imagístico do mestre Alphonsus e  ambiência de Poe.
Bonita pérola.
Me orgulho dessa dor.

Nocturnal

O coração que palpita na noite
É o mesmo que banhado pela foice
Espectral ao ver-te colher flores
Sorriu-se assim em música de teus odores

É a mesma noite que se faz em mim
Noite que urra sem nunca ter fim
Melancolicamente se abate
Como um gavião horrendo por toda parte

De sombras minh’alma se cobre
E deita em submerso leito
Por mais que por teu ser ore

Nunca a mim teu riso vem
Em fria pedra como em teu peito
Aqui espero por ninguém

Rodrigo Martins

Em 10/09/2012.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Darkness be my friend

Darkness be my friend

Cold sunlight falling on me
Cold sunlight falling on me
I am a lonely man
Sorrow is my friend
Fall asleep as the dawn comes up
A ray of hope again

Hold the crystal vision for a second
Let it pass
Hold the crystal vision for a moment
Make it last

Summer so quickly gone
Darkness be my friend
Nothing lasts forever
But the certainty of change

I am a lonely man
Sorrow is my friend
Nothing lasts forever
But the certainty of change
Nothing last forever
But the certainty of change

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Drummoniando

Por vezes os sentimentos negativos resultam em pequenas pérolas. Este pequeno orbe é influência e homenagem ao grande mestre que Drummond foi.

Drummoniando

É vontade que passa
Fogo que se consome
Melodia que se perde
Versos que se esquece

É mar que não ondula
Deserto que não esquenta
Vento que não refresca
Mal-estar que não adoece

É palavra sem sentido
Olhar sem emoção
Audição sem atenção
Luz sem claridade

A cidade leva
O amor leva
O trabalho leva
Fica a desilusão

Rodrigo Martins

Em 08\06\2013.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Vício

A arte de transformar a dor em arte. Toda dor carregará um leve sorriso quando se tornar arte.

Vício

É o tabaco, é o álcool, a insônia,
É a inércia, o conformismo, o ópio,
É o café, a ansiedade, a palpitação,
É a mágoa, é a chaga, a infecção,
É a inflamação, degeneração, atrofia,
Hiper tensão localizada no âmago de um irrelevante
É o vício vivendo voraz e viralmente.

Rodrigo Martins

19/09/13

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Surrealismos

Surrealismos

O arco do espaço-tempo cristalino
Gelificado pelo vazio das incertezas
Humanas, profanas,
Doentes, clementes
Se afoga no charco de mundanas rezas.

O papa escarlate se movimenta
Pelo tabuleiro da oceânica etérea
Província das praias de pedra e fogo
Misticismo. Luxúria. Dor. Ganância.
A arrogância que produz conhecimento
Não devia se casar com o pássaro branco

Lua de fogo e sangue desce pelo coração
Do cervo que, cercado por cem sábios,
Não sabe o que fazer por merecer
Amor maior de um estupro virtual
Colecionado por algozes de bem

A névoa negra nega veementemente
Sua participação na boa ação
Dos dias de graça (e morte e risos)
Recusando-se a beber do vinho do perdão
A carnificina é boa para o
Espectador e o comércio moral

Rodrigo Martins

Em 10/07/14


quinta-feira, 24 de julho de 2014

A torre desmoronou

A torre desmoronou

A torre desmoronou e não surge aqui um anjo para velar-me
A torre desmoronou e não surge aqui um fantasma para assombrar-me
A torre desmoronou e valquírias não vêm levar-me
Para as terras do tormento
Para o inferno multicolorido
Para o passado passando diante dos meus olhos opacos

A torre desmoronou com a esperança da juventude
A torre desmoronou com a inocência perdida
A torre desmoronou com os sonhos estilhaçados num momento derradeiro
E os acólitos lavaram seus cabelos
E as mulheres choraram seu infortúnio
E os pássaros cantaram em anúncio

A torre desmoronou levando mais que escombros
A torre desmoronou numa aura de horror
A torre desmoronou com o céu, as estrelas e tudo o mais
Diante dos enamorados
Diante dos juramentos
Diante da eternidade

Em 24/07/14.