domingo, 26 de dezembro de 2010

A composição do eu-lírico em Luis Miguel

Ouvindo seguidas vezes algumas músicas de Luis Miguel encontrei um objeto interessante para ser tratado no âmbito da literatura. Encarando as letras de suas músicas – apenas as escritas por Manuel Alejandro, presentes no álbum Cómplices – como poemas é possível vislumbrar que o eu-lírico em Luis Miguel apresenta algumas peculiaridades que vão de encontro à imagem que o cantor passa: de homem romântico, sensual, fácil de encantar às mulheres, amante perfeito.
Porém o objeto em questão se dá quando esse mesmo eu-lírico perfeito é rejeitado. Simplesmente ele distorce a situação, impossibilitando o leitor (ouvinte) de compreendê-la num nível racional e direto. Como é o eu-lírico quem fala, ele dá a sua versão dos fatos. E como a imagem mercadológica do cantor está em primeiro plano – nestas músicas escritas para ele, descartando as regravações de boleros antigos – ela não deve ser ferida por este aspecto. Em suma: a imagem de Luis Miguel não pode ser rejeitada. A imagem que é vendida é a de que ele – como personagem – é tão perfeito que não pode ser desprezado. E, se a mulher faz isso, está completamente enganada ou, mais comumente, ele mesmo também já perdeu o interesse nesta mulher.
Vejamos alguns trechos da música Bravo, amor, bravo: Tú pensando en otra vida / Yo pensando en otro amor. Enquanto o eu-lírico pensa em um outro amor – e aí a carga semântica de amor dá valor à amor sincero, verdadeiro, respeitador etc. –, a mulher pensa, não em um amor mas sim, em outra vida – podendo contrapor em carros, luxo, dinheiro, glamour, qualquer coisa material. Ou seja, o eu-lírico se mantém sempre em busca do amor, não desiste dele. Se a mulher não quer mais, ele procura em outros braços. Ele tem real noção de que é “um cara bom”, afinal ele sabe que el amor en pleno vuelo / perdendo altura va poquito a poco, (em Amor de echo).
Na música Amor de hecho temos situação semelhante em seu refrão: Mejor mil veces amor de hecho / Que amor deshecho, reafirmando o mesmo valor de viver um amor verdadeiro, como ele, o amor, deve ser. Então também afirma que a materialidade simbólica do amor não tem sentido: Cuando el desamor nos llega / De que sirven alianzas? / (...) Cuando el desamor nos llega / Para que jaula de oro?
Um aspecto interessante que, acredito, é mais significativo na imagem que o cantor provoca no público está contida nos versos da música Bravo, amor, bravo, onde o eu-lírico simplesmente não pode sequer conceber a idéia de ter sido traído. Para tanto ele troca a 1ª pessoa pela 3ª pessoa, colocando-se muito mais como narrador que como personagem deste drama amoroso: Él descubre a otra persona / y ella a otro que no és él. Aqui também é importante salientar que o eu-lírico não se apresenta inocente, ele também buscou uma outra pessoa. Longe de se fazer de vítima, o desapontamento está nos dois, em como eles deixaram que esta situação acontecesse. Chega-se, até mesmo, a ironizá-la: Aplaudamos, / porque hiciemos / sin dudarlo / en esta farsa que acabamos / un buen papel / (...) los mil Oscar deste año / serian nuestros sin querer / (...) El guión era estupendo: / (...) Ya eran besos maquillados.
Mesmo quando o eu-lírico se coloca como um “vilão”, o cara mau das novelas de amor, ele ainda vende sua imagem de homem irresistível, sai na vantagem mesmo destruindo o que ele canta: o amor. A letra da música Se amaban conta a estória de um casal que se

Se amaban con la fuerza del amor primero
Con locura y timidez a un tiempo
Se amaban, se adoraban

Se amaban como niños, como dioses nuevos
Como ángeles azules se entregaban;
Se amaban, se adoraban


E foi separado pelo eu-lírico

Me interpuse en sus caminos
Suavemente como niebla
Como lobo ante su presa
Sutilmente la aceché

Desperté pasiones negras en el corazón de ella
Y sembré la mala hierba en el corazón de él
Devasté su cuerpo, me bebí su boca


Por pura perversidade:

Y ahora que prendí ya el fuego
Me pierdo como las olas
Y ahora que prendí ya el fuego
Me pierdo como las olas
Y se amaban, se amaban
Se adoraban


Rodrigo Garcez Martins

4 comentários:

  1. Muito interessante esse tipo de trabalho. O paralelo da música como material para análises literárias.
    É pertinente frisar a importância desse tipo de análise inclusive em outras áreas do conhecimento, como a filosofia, principalmente na análise do discurso.

    "toda a arte traz os traços do artista"

    Não tem como fugir disso.

    Parabéns pelo texto

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  2. Com certeza, porque hoje a músicaestá mais próximo às pessoas que a poesia (poemas). Em parte pelo modo de vida corrido, outro pelo valor que a mídia dá a um prazer mais externo que interior.
    Muito obrigado pelo comentário. Ele é importante vindo de você.

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  3. Oi, Rodrigo! Td bem? Sou a Amélia, do blog Luis Mi Brasil (http://luismibrasil.wordpress.com), que mantenho junto ao Felipe. Excelente teu estudo literário. Como fã, é um prazer ler esta discussão com as letras das músicas deste grande cantor.

    Abraços!

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