quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O pescador e o druida




Hoje não estou muito bom para florear minhas palavras. Quase todas mostrariam resignação e chatice. Porém foi preciso escrever, botar para fora certos sentimentos, conclusões, pensamentos. Foi preciso publicar também, afinal, é o tipo de coisa para o qual este texto foi criado. E também é assim a proposta dos blogues em geral. Sem mais me alongar nestas linhas trôpegas, eis:

O pescador e o druida

"Um pescador foi ao encontro de um druida que passava por aquela vila pedir para que os Deuses resolvessem seus problemas. O druida lhe disse que assim clamaria por ele. Certo tempo se passou e o pescador não teve seus problemas resolvidos. Ele buscou o druida no mesmo bosque:
- Pedi-lhe que intercedesse aos Deuses por meus problemas. Eles continuam. Por que nada fizeste?
- Eu orei por você.
- Apenas orou? Mas não fui atendido.
- Por que ao invés de perder tempo comigo não resolveu você mesmo seus problemas?"

................

"Calmamente o druida cavou um buraco na terra e retirou uma semente dos bolsos. Atirou a semente no buraco e o tapou. Foi até o leito do rio e apanhou um pouco de água com as mãos. Jogou sobre onde tinha enterrado a semente, que era ao lado de uma macieira.
Então pausadamente perguntou ao pescador:
- Compreendeste o sentido disto?
- Não entendo como isto pode me ajudar.
- Todos temos um tempo para nossas ações. Findo este tempo, devemos esperar pelo início da próxima estação. Aquele que não planta nunca colherá.
O druida se foi. O pescador ficou contemplando a semente recém-plantada."

domingo, 11 de dezembro de 2011

Ozzy sob uma perspectiva simbolista



Foi durante a semana passada que me ocorreu de ver algumas letras de músicas de Ozzy Osbourne sob uma ótica Simbolista. Ou melhor, encará-las como se tivessem sido compostas no contexto do Simbolismo. Na época da universidade lembro que perguntei ao meu professor sobre o que seria essa chamada literatura gótica de que todos falam, mas nós não ouvíamos sequer uma menção durante nosso curso. Então ele me explicou por alto e citou Ozzy, dizendo que isso era coisa nova, dos anos 80.
Procurando uma música que pudesse se encaixar com a proposta (Simbolista), encontrei "Ghost behind my eyes", do álbum Ozzmosis. Essa foi uma das primeiras músicas dele que ouvi e que gostei. Hoje é uma das minhas preferidas.

Ghost behind my eyes

There is a person living in my head
She comes to visit every night in Bed
I fight the Demon, but it just won't fall
They Voices in my dungeon starting to call

The spiders dancing on the wall
Suicide of love we could have had it all

And it is you,
You are the Ghost behind my eyes
I can't See through you,
You are the Ghost behind my eyes
The ghost that tells me Lies

The princess of the Dark has made my mind Home
My haunted head and her won't leave me alone
She dances on my heart with fire in my soul
I hate that feeling when I'm losing Control

The spiders dancing on the wall
Suicide of love we could have had it all

And it is you,
You are the Ghost behind my eyes
I can't See through you,
You are the Ghost behind my eyes
The ghost that tells me Lies

I wish to God that I could Sleep again,
Oh Peace again
And wake up from this Nightmare free again
Free again,
Oh Me again

There is a woman living in my head
She comes to visit every night in Bed
The spiders dancing on the wall
Suicide of love we could have had it all

And it is you,
You are the Ghost behind my eyes
You, you are the Ghost I behind my eyes
You, you are the Ghost I behind my eyes
The Ghost behind my eyes
Behind my eyes
The Ghost behind my eyes
The Ghost behind my eyes

Fantasma atrás dos meus olhos
(Tradução)

Há uma pessoa vivendo em minha cabeça
Ela vem me visitar todas as noites na minha cama
Eu enfrento o Demônio, mas ele não morrerá tão fácil
As Vozes em meu calabouço, começam a chamar

As aranhas dançam na parede
Suicídio de amor nós poderíamos ter tido tudo isso
E isso é você,

Você é o Fantasma atrás dos meus olhos
Eu não consigo Ver você realmente
Você é o Fantasma atrás dos meus olhos
O fantasma que me conta Mentiras

A princesa da Escuridão fez de minha mente sua Morada
Minha cabeça assombrada e ela não me deixam dormir
Ela dança em meu coração com fogo em minha alma
Eu odeio aquele sentimento de quando estou perdendo o Controle

As aranhas dançam na parede
Suicídio do amor nós poderíamos ter tido tudo isso
E isso é você,

Você é o Fantasma atrás dos meus olhos
Eu não consigo Ver você realmente
Você é o Fantasma atrás dos meus olhos
O fantasma que me conta Mentiras

Eu peço a Deus para que eu possa Dormir novamente
Oh Paz de novo
E acordar deste Pesadelo livre de novo
Livre de novo
Oh Eu de novo

Há uma mulher vivendo em minha cabeça
Ela vem me visitar todas as noites na cama
As aranhas dançam na parede
Suicídio de amor nós poderíamos ter tido tudo isso
E isso é você

Você é o Fantasma atrás dos meus olhos
Você, você é o Fantasma atrás dos meus olhos
Você, você é o Fantasma atrás dos meus olhos
O Fantasma atrás dos meus olhos
Atrás dos meus olhos
O Fantasma atrás dos meus olhos
O Fantasma atrás dos meus olhos

O que procurei fazer foi realçar palavras chaves colocando a inicial de algumas delas em maiúsculo, exatamente como faziam os simbolistas. Encarei a letra como um poema e segui o tema proposto. Como pode ser visto na tradução, uma entidade feminina invade a mente do eu-lírico vivendo como um organismo simbionte. Para destacar este sentimento de perda de si, transformei algumas palavras em símbolo: Cama, Demônio, Vozes, Fantasma, Ver, Mentira, Escuridão, Morada, Controle, Dormir, Paz, Pesadelo, Eu.

P.S.: Em “Deus”, apenas respeitei a letra original. Para mim ela não é palavra chave.

P.S. 2: Coloquei alguns termos em negrito para evitar entendimentos estapafúrdios e não confundir alhos com bugalhos.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Chanson d'automne


Relembrando o mestre Paul Verlaine, traduzido por outro mestre na arte de tecer poemas, Alphonsus de Guimaraens. Fiquem com Deus, Brighd, Thor, Tupã ou o que lhes for mais conveniente.

Cordiais abraços.


Chanson d'automne
(Paul Verlaine)

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.


Canção do outono
(Paul Verlaine)
(Tradução: Alphonsus de Guimaraens)

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Terra Mítica




Este poema/canção vem do longínquo ano de 2000. Composto durante a noite, numa aula de matemática ministrada por uma professora repressora e preconceituosa. Eu cursando ensino médio técnico, ainda assinava "Rhodrigo", pensando na minha banda de metal, esoterismo, doido para chegar logo em casa e ler mais Ted Andrews.
Não foi difícil me desligar por completo da aula e visitar o mundo com o qual estava familiarizado. Mundo este inspirado por Blind Guardian, Tolkien, Marion Zimmer Bradley, Ted Andrews e uma infinidade de lindos espíritos benfazejos.
Depois de pronto o poema, mostrei ao Cezar, meu futuro ilustrador e parceiro de banda na época. No dia seguinte ele me ligou dizendo que havia composto uma música usando meu poema como letra. Achei formidável.
O tempo passou. Nossa banda se foi. Com ela, várias coisas que criamos juntos. Este poema ficou guardado com ele durante anos. Coisa de uma semana lhe faço uma visita e ele me mostra o poema.
Repito suas palavras ditas há muitos anos: "Algumas coisas são eternas."


Terra Mítica – Rhodrigo

Terra Mítica, eu a vi
Púrpura como a noite
Se estendendo sobre florestas
E riachos que correm velozes

Terra de bardos e guerreiros
E anões fazedores de tesouros
Que habitam em cavernas
Guardadas pela sombra de Durin

Em cristalinos lagos
Belas ninfas se banham ao sol
Brincando com a água
Que escorre pelo rosto e volta para o lago

Duendes correm por entre trevos
Rumo ao arco-íris
Procurando potes de ouro
Rumo ao arco de Íris

Terra Mítica, eu a vi
Púrpura como a noite
Se estendendo sobre florestas
E riachos que correm velozes

Luas verdes e azuis
Dançam no céu
Guiando e ensinando
Sacerdotes e magos

Na antiga floresta
Velhos carvalhos
Murmuram doce melodias
E tocam com bardos

E há elfos que protegem florestas
Sonhando acordado
Ao lado de homens mortais
Embalados em batalhas medievais

Há gnomos que curam lebres,
Raposas e aves
E há unicórnios que se escondem
Por entre macieiras

No jardim, a mais bela fada
Mora em uma roseira
Artemísia é seu nome
A princesa das flores

Envolta em arbustos
Seus olhos transbordam
Amor e alegria
E sua fragrância inunda o jardim

Terra Mítica, eu a vi
Púrpura como a noite
Se estendendo sobre florestas
E riachos que correm velozes

E há espadas encantadas
Fincadas em pedras
Guardadas em cavernas
E há Merlins e Arthurs

Para encontrá-los basta acreditar,
Imaginar e sonhar
Feche seus olhos
E poderá vê-los... também

Em 09/06/2000, durante uma aula de matemática

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Lamentações de Jacob Green


Este poema compus no trabalho, durante o intervalo. Ele é um dos poemas que colocarei na minha série. É um, dos muitos, momentos de introspecção de Jacob, um dos personagens centrais. Compus inspirado na música Darkness be my friend, do genial mestre Bruce Dickinson.

Lamentações de Jacob Green

Fria, a luz do sol cai
Um solitário homem em silêncio
Lembra-se do burburinho do ontem
Enquanto lágrimas escorrem pelo seu rosto

Campos abertos são sua morada
Uma bela paisagem melancólica
Perdida em pensamentos que ele não teve
E ele só pode culpar a si mesmo

O peregrino não irá procurá-lo
O mar não encontrará seu rochedo
Somente a relva será testemunha
Que, fria, a luz do sol cai


Em 14/06/2011

domingo, 14 de agosto de 2011

That Old Devil Moon

Quinta-feira, dia 11 de agosto de 2011 estive no CCBB para apreciar e me deleitar com a perfeita música de Miles Davis e conhecer mais sobre sua vida, já que praticamente nada sabia dele. Infelizmente não pude tirar fotos. A exposição Queremos Miles continha muitos objetos pessoais, como roupas usadas em shows, telas produzidas por Miles, fotografias antigas, reproduções e originais de flyeres, escritos e partituras.
Logo na primeira ante-sala, fui recebido por gravações antiguíssimas dele, da época em que tocava com Charlie Parker, Bill Evans. Apesar da qualidade das gravações, foi gratificante poder ler sobre sua vida, início de carreira, ver fotos da juventude ouvindo sua música. O que me chamou a atenção nessa exposição foi sentir a mudança significativa nas suas composições, e , ao mesmo tempo que sua carreira decolava. Nas primeiras salas, são nítidas as sequências de seu acelerado bebop, ao passo que ele vai evoluindo para o sentimentalismo de seu cool jazz. Reconheci várias músicas que adoro: Morpheus, Blue Haze, The serpent's tooth, na fase bebop e Freddie freeloader, Blue in green, Flamenco sketches, no cool jazz.
Mas emocionante mesmo foi ver fotos de mestre Davis ao lado de outros verdadeiros deuses do jazz: John Coltrane, Julian "Cannonball" Adderley, Herbie Hancock, Chick Corea, John Maclaughlin, embora a surpresa maior e o - também por que não dizer - deleite maior foi ver uma apresentação de um dos quintetos de Miles. A velocidade com que eles tocavam e
ra absurda. Simplesmente, eu, como ex-guitarrista tinha desconhecimento de que outros instrumentos pudessem chegar àqueles km/h. Muito antes de Joe Satriani, Steve Vai, Yngwie Malmsteen o velho e bom Miles Davis já botava todo o mundo no chinelo. Acho que fiquei quase meia hora assistindo àquele espetáculo. Durante esse tempo prestigiei momentos cômicos. Um senhor grisalho assistia ao vídeo compenetrado. Sua senhora, já impaciente, promove sua rabuja: "Como é, você não vem? Isso não vai acabar agora." Ao que ele só olhou com sobrancelhas de Ravengar. Ela se vai. Minutos depois ela volta. "Nossa, mas como ele se parece com o Pelé." Essa foi a deixa para o velhinho amante do jazz recolher sua vergonha. Acredito sinceramente que depois dessa ele desistiu da exposição, e de Miles para sempre, levando sua senhora para o Habib's mais próximo.
O clima intimista da exposição se deveu às pequenas salas projetadas para dar aquele ambiente dos antigos clubes de jazz. Geralmente com as paredes em vermelho ou preto. Não resisti e não pude deixar de dar um beijo, aproveitar o clima romântico ambientado. Só faltou mesmo uma Devassa ruiva ou uma Brahma extra.
Chegando no fim dos anos 60, há um Miles meio perdido. Não conhecia esse seu lado psicodélico e flertando com rock. Não gostei. Ficou muito samba do crioulo doido - com todo o perdão do trocadilho -. Mas reconheço que não poderia ficar de fora. Mais decepcionante foi a fase soul. Se a anterior lembrou Joe Cocker, Jimmy Hendrix, essa é marcada pelo flerte com James Brown, Jackson 5. Gostei menos ainda. Nos anos 80 minha opinião foi de que ele surtou. Parecia um poser, um Gene Simmons, e para quem sabe de quem se trata sabe o quão nojento isso é. São dessa época várias roupas de show. E há também vários vídeos de comerciais. Vale a pena pelas entrevistas.
Nos anos 90, e consequentemente no fim da exposição, parece que Miles botou a cabeça no lugar. As composições melhoraram muito. Ficaram com uma roupagem mais eletrônica, mas dá para sentir o velho Miles de volta.
Há uma sala dedicada às capas de álbuns. Algumas parecidas com capas de Santana, onde se pode ver os órgãos dos seres, em outras há nítidas referências à África. A sala seguinte mostra capas de álbuns com mulheres negras, relembrando o heroísmo de Miles ao impor à gravadora que assim fosse, afinal quem não gosta de uma negra ou mulata bom sujeito não é.
Uma nota a parte para os instrumentos. Foi muito legal descobrir que Miles decorava seus trompetes. Dá para perceber que era bem pessoal, porque de longe ninguém poderia notar, apenas ele, como um presente que a pessoa se dá. Então nos demos esse presente e vamos todos ao CCBB, porque literalmente "Queremos Miles".

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Vaya con Dios


O post de hoje é especial. Faço aqui algo que nunca pretendia neste blog. Há uns meses imaginei que o vício em Los Panchos duraria pouco tempo, mas me enganei, porque eles chegaram para ficar. E não há mesmo como não sucumbir a suas letras. São marcantes, profundas e, pelo menos em mim, promovem uma reflexão que de certa forma chega a mexer com minha vida.
A música em questão é Vaya com Dios. Logo me chamou a atenção que lembra aquelas musiquinhas tristes do Chaves, se não me engano, do fim do episódio das Férias de Acapulco. Aquele início em valsa é de uma tristeza bela, se é que se pode chamar assim, e o violão de Alfredo Gil também é um dos mais impressionantes, porque traduz fielmente o sentimento da canção.
Mas o objetivo do post não é a música em si, mas sim o que ela evoca. Ela fala de um eu-lírico que reconhece o momento da despedida, mesmo desejando não fazê-la. Logo recordei vários momentos da minha vida. Lembrei quedas, dores, momentos difíceis, de erros e dúvidas. De medo. Mas também recordei bons momentos, felizes e alegres, como um sol radiante. E foram esses bons momentos que me fizeram seguir pela estrada que sigo hoje. E muito feliz estou nela.
Realmente me sentiria como o eu-lírico de Vaya com Dios se não tivesse essa mulher comigo hoje. Se não estivéssemos juntos cantaria esta canção – não a plenos pulmões, porque não é o espírito da fúria passional que a rege, mas – com a mais doce, e embargada, das vozes. Haveria um carinho todo especial, assim como Albino (ou Julito) fez, quando minha voz passeasse por Adonde tu vayas, yo voy contigo / En sueños junto a ti yo estaré e meus votos seriam os mais sinceros, todas as vezes que cantasse em La alborada al despertar feliz te espera / Si en tu corazón yo voy a donde quiera
Outra coisa que Vaya con Dios me ensinou é que o amor não aprisiona. Ele quer bem. É aquela velha estória do passarinho da gaiola aberta – mas, claro, sem a conotação do “galinha de casa não se corre atrás”. Vivendo livres, vivemos melhor, temos uma vida inteira para aproveitar o que o amor tem de bom a nos proporcionar.
E se não fosse dessa maneira, é justo que o amor buscasse outro amor, percorrendo a estrada de tijolos amarelos, entrasse no barquinho em forma de cisne para atravessar a ponte. Ficaria a lembrança, do que foi e do que poderia ter sido.
É triste? Sim, é. É amedrontador? Também. Mas somente percorrendo esta estrada se pode ter confiança de é ela mesmo e não há outra. E escrevendo esse post agora me ocorreu que em minha estória de amor posso dizer, ao invés de vaya com Dios, venga com Dios.
Te amo, mi chica.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um sonho em terracota - parte 2





Como me esqueci de mencionar algumas coisas no post anterior o faço agora.
Não consigo mais parar de ouvir Trio Los Panchos, então resolvi também, de certa forma, homenageá-los fazendo referências a trechos e nomes de algumas músicas suas, que são grandes clássicos do cancioneiro latino. Essas músicas representam um pouco da poesia na América Latina e revelam também um pouco dos costumes destes povos. E como disse no post anterior, meu objetivo era buscar um apelido, um codinome para minha homenageada mor. Assim determinado, me inspirei neste cancioneiro, mas não pude repeti-lo. Não poderia nunca chamá-la de piel canela, mas em muitos momentos resgatei inesquecíveis ojos negros, morenita.
Fiz outras referências a América Latina na descrição da paisagem. Estão lá uma favela, o chão de barro e areia, que podem também remeter ao México e Chile; o morro, a Cordilheira dos Andes; o pisco, ao Chile e Peru, e também a nossa boa cachaça de alambique; o ar brincalhão da morena que se apresenta quase como uma entidade pré-Colombiana, uma infantilidade e inocência indígena.
Deixo ainda para vocês o poder decisão: extraí o termo moreninha do Joaquim Manuel de Macedo de seu aclamado romance A Moreninha ou ambos tivemos a mesma motivação e inspiração?
Quanto ao oásis somente os personagens sabemos do quê se trata!


Confira a 1ª parte aqui



Um sonho em terracota - parte 2

Talvez para me sacanear, começou a ventar. No princípio um alívio, mas logo ventou tanto que mais parecia uma tempestade de areia. Como em pleno Rio de Janeiro? Era sacanagem. Só podia ser. E das puras.
Chegou num ponto que não dava para ver mais nada. Me sentia imerso num mar terracota. Pelas minhas lembranças devia estar no topo do morro, mas a vista para a cidade lá embaixo não dava para ver. Sentei numa pedra e esperei aquela sacanagem acabar.
De um redemoinho pude ver um movimento diferente daquelas correntes de ar. Uma mistura perfeita da cor do barro claro e da areia quase branca surgia dentro daquele redemoinho. A figura foi se espiralando. Tomou formas femininas e uma moreninha saiu de lá.
Mirei em seus lábios carnudos e vermelhos da cor do sangue. Era impossível não olhá-los. Depois parei em seus olhos amendoados. Eram un par de ojitos negros com um cielito lindo como pano de fundo, exatamente como naquele bolero. Ela sorriu marotamente e retirou seu vestido da mesma cor de sua pele terracota.
Deus! ela ficou nua... na minha frente.
Mesmo sendo pequenininha, seus seios eram fartos. Dois montes creme com um grão de milho torrado em cada um deles. Ela era linda. A morena mais bonita que meus olhos podiam suportar ver sem serem destruídos.
Ela passou a língua pelos lábios e jogou os cabelos lisos. Foi caminhando e a cada passo que dava olhava para mim e sorria. Fui atrás dela. Aquilo parecia ser coisa do diabo, mas estava pouco me lixando para ele. Ela fazia questão de me mostrar o pé, que ela roçava no chão e suspendia até a altura da bunda, que por sinal era redondinha. Nenhuma mulher podia ter uma bunda daquela, ainda mais com aquela estatura. Era mesmo coisa do demo!
Ela desceu uma leve encosta e mergulhou num oásis. Aquilo não devia estar ali. Esfreguei meus olhos desejando continuar a vê-la quando os abrisse. E de fato ela estava lá. Com oásis e tudo. Quando criança aquilo era um lugar de desova, não uma maravilha como aquela.
E ela ensaiou nadar um pouco. Cuspia água em mim e sorria belamente. Afundava a cabeça para encher a bochechas de água e cuspir de novo. Era incrível ver aquela delícia terracota se banhando. Percebi que seus cabelos foram enrolando no contato com a água até cachear. Ficou ainda mais bonita. Então ela saiu deslumbrante do oásis. Veio na minha direção apertando os peitos. Fui abrindo a camisa arrebentando os botões. De entre seus seios ela tirou uma dose de alguma coisa e me deu. Era um líquido incolor. Cheirei. Tinha cheiro de álcool puro. Bebi.
Cara, era pisco! Só tinha tomado uma vez na festa dos peruanos do Méier. Como ela conseguiu aquilo? Era dificílimo encontrar um, ainda mais o peruano. E mais forte que o que tinha tomado.
Logo fez efeito e fui sentar na pedra. Ela ficou dançando na minha frente. Sacudia os cabelos para continuar me molhando. Lambia os ombros, os braços, me mostrando como era linda e única aquela pele terracota. Seus lindos olhos de morena me diziam que nunca mais encontraria uma como ela.
Então levantei. Estava decidido a beijar aquela boca, sugar aquela pele, apertar aquele corpo macio contra o meu. Ela se abaixou, começou a escrever no chão. Quando abaixei-me perto dela, perdi o equilíbrio por causa do pisco e caí. Ela ficou rindo com aqueles dentes grandes, brancos. Levantei-me e vi o que tinha escrito. “Vivi”. Perguntei se esse era seu nome. Como não houve resposta, ergui minha mão disposto a tocar em um de seus seios. Ela encheu as bochechas de ar e cuspiu água do oásis em meu rosto.
Quando terminei de secar meu rosto na camisa que tinha tirado, ela estava afastada, mas sorria me dando língua. Perguntei novamente se aquele era seu nome. Então ela se abaixou e voltou a escrever no chão. Me chamou com a mão e apontou para que lesse. Cheguei perto e estava escrito “aqui muito antes de vocês.” Levantei a cabeça para dizer a ela que não tinha entendido, mas ela já estava descendo o morro pelo mesmo lado em que eu viera. A moreninha se ia dançando, levantando os braços, mandando beijos com as mãos, levando embora seus olhos negros e sua pele terracota. Começou a ventar e um pano passou perto dela, que o segurou. Era um véu. Ela girou-o no ar várias vezes. Escondia o rosto nele e mostrava. Minha última lembrança sua foi o seio, que cobriu, me mostrou e depois cobriu novamente. A ventania começou a cobri-la e não a vi mais.

O sol voltou a me incomodar e a me queimar. Segui meu caminho descendo para tomar o ônibus ao Centro. Levei comigo o fraco zunido do vento, que assobiava como uma flauta andina, e o copinho da dose de pisco, que guardo até hoje.

Em 16/05/2011.


segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um sonho em terracota



Esse conto está quentinho, recém-saído do forno. Já há algum tempo queria encontrar meios de homenagear uma pessoa especial com adjetivos inéditos. Se não consegui realizar meu intento no plural, pelo menos o fiz de forma singular. Por se tratar de um exemplar raríssimo e muito belo, essa pessoa reune em si características que a torna única. Ela é minha linda paloma que come na mão, dá o pé, ronrona e pede carinho. Em homenagem a ela escrevi esse conto. Tive a idéia antes de ir para o trabalho, porém não tive tempo de escrever antes. Então o fiz à tarde quando cheguei. Já tinha o motivo principal na cabeça. O resto era desenvolvimento. E este dia foi tão especial que ainda criei um drink à base de maçã, o Morenita. Ficou ótimo.

Espero que gostem da 1ª parte de

Um sonho em terracota

Tinha saído do trabalho. Fazia um calor desgraçado. Era por volta do meio-dia e o sol estava absurdamente gigante no céu. Precisava ir até o centro da cidade. O maldito banco insistia em me cobrar tarifas indevidas. Era melhor almoçar por lá, já que por perto não havia sequer um restaurante decente. Somente biroscas.
Odeio biroscas.
Elas fedem, a comida tem gosto de plástico e os cachorros freqüentam a cozinha. Definitivamente era melhor almoçar pelo Centro, depois de resolver a pendenga com o banco.
O único ônibus que me levaria até lá demora um século. Odeio esperar. Ainda mais por uma lata velha que vai sacudindo e fazendo um barulho horrível de metal batendo da zona norte até o centro da cidade.
Definitivamente não.
Subiria o morro e o atravessaria. Do outro lado há uma infinidade de linhas que me levariam ao meu destino. Tudo que precisava fazer era subir, continuar subindo, e depois descer e continuar descendo. Apesar nunca mais ter feito isso na vida adulta, seria uma boa relembrar a infância.
Foi lá que aconteceu o que tenho para contar. Os pêlos do meu corpo se eriçam até hoje. E ainda não sei o que era. Só sei que nunca mais esquecerei. Por tudo que mais prezo nesta vida.

Cheguei à entrada da favela e o pessoal já ficou me olhando torto. Suas expressões me diziam “que um bacana tá fazendo aqui?” “tá devendo ou veio buscar mais.” Segui adiante sem olhar muito para eles. Vagabundo é vagabundo em qualquer lugar. Quem trabalha não tem tempo para prestar atenção num duro como eu.
Vi inúmeras biroscas, vendinhas, manés andando de moto pra lá e pra cá, gente cortando o cabelo na rua (na minha época eles usavam uma cuia). Vi também crianças brincando na vala, descalças, com uma aparência suja e muitas moças bonitas e não-bonitas. Elas usavam tão pouca roupa, quase um pano escondendo suas evas.
Elas não se importavam em transpirar sob o sol quente. Andavam em seus chinelos baixos, chinelões coloridos, sandálias de salto transparentes desfilando seus corpos de pele canela, de todos os matizes. Não só ignoravam os que as olhavam como também me ignoravam apesar de notarem minha presença, afinal, aquela gente é esperta e não deixa passar nada, principalmente um bacana idiota, o que eu era para eles. Idiota e babão na percepção delas.
Limpei o suor da testa e continuei subindo. Que lugar quente! Vi um marido bater na mulher, depois de ameaçá-la com uma navalha. Daqui a alguns anos ele bateria nela com uma máquina de cortar cabelos. Um garoto me ofereceu maconha, falando que é da boa, tio. Recusei, então ele a devolveu ao monte de estrume que havia mais a frente.
Logo a favela foi ficando para trás e o chão ora era de um barro claro, num tom terracota, ora areia fina, quase branca. Estranhei, afinal não me lembrava disso nas aulas de geografia. O mato também foi escasseando aos poucos. Uns tufos aqui, outros acolá, uma erva rasteirinha serpenteava pelo chão e submergia naquele pó inidentificável.
Estava quase no topo. O sol que me castigava o rosto, parecia mais implacável, porém parecia sentir menos seus efeitos. A cabeça começou a pesar; o nariz, a escorrer. Talvez fosse aquela poeira toda. Estava encharcado de suor. Minha sinusite começava a dar sinais de vida. Tinha as mãos ao nariz boa parte do tempo. Então passei a andar com a cabeça levantada. Nenhuma nuvem queria me dar trégua. Havia apenas o sol dourado no céu azul.

Continua...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Doido (e é assim que me queres)

Nesse poema queria chegar um pouco mais próximo do Modernismo, usar aquelas ditas expressões próprias da oralidade, versos com frases de efeito e compor um poema rápido, numa singela homenagem ao ídolo Duchamp. Mas não descaracterizei minha poesia por completo. Há um pouco de rima (carne / arte; ginga / cima / domina / menina, entre outras), moderadas anáforas (Ela rebola / Ela ginga; Doido pra te encontrar / Doido pra te beijar) e o que achei a maior sacada deste poema: a proposta de uma união entre as línguas portuguesa e espanhola - algo que já havia feito em um outro poema e no momento oportuno o colocarei aqui. Achei simplesmente excepcional quando descobri isso. A relação fraternal entre ambas é de uma riqueza e beleza que só mesmo amantes das letras podem conceber. Note, querido leitor, que este poema sugere um ato sexual. Do início ao fim.


Doido (e é assim que me queres)
Não paro de pensar em você
E isso me deixa doido
Doido pra te encontrar
Doido pra te beijar
Respirar teu cheiro
Seja qualquer jeito
Sugar tua pele
Morder tua carne
Todo o teu corpo
Obra de arte!

Deus!
Quer mulher!
Ela rebola
Ela ginga
E esse olhar já por cima
– prazer que domina –
Mulher e menina
Que menina!?
Mulher!
Tu nombre és pasión
Un color de emoción
Sin compasión

Não paro de pensar em você
E isso me deixa doido
Doido por teu seio em minha boca
Sufocar teus gemidos de louca
Lamber teu pescoço e costas
Bem como gostas
Deliciosa sensação
Teus cabelos em minha mão
Um nome, uma sinfonia
Felicidade minha
Teu corpo caído no meu
Beleza, borbulhas, breu
Em 19/02/2009

quarta-feira, 9 de março de 2011

A ponte do troll - crítica

Este é um dos contos mais doces e ao mesmo tempo aterradores de Neil Gaiman. A ponte do troll se assemelha, em minha ótica, em muitos aspectos, a Estranho caso de Benjamin Button. Por quê? Porque se em Estranho caso de Benjamin Button o próprio Benjamin nasce velho, vai rejuvenescendo ao longo da trama e termina seus dias como um bebê, A ponte do troll nos mostra um retrocesso na maturidade do personagem. Ele é mais decidido em sua infância – no que ludibria o troll e não o teme – do que em sua adolescência – perde a grande chance com a menina, atribuindo a culpa ao troll – vida adulta, onde perde sua esposa.
Estas três fases possuem um ponto determinante: o encontro com o troll. Em cada uma delas, o personagem lida com esta entidade de maneira correspondente a sua idade. Porém não parecem a mesma pessoa ao longo do conto. O que se perde é justamente a auto-confiança. O que na infância era feito com tranqüilidade, com certa naturalidade, na adolescência o desespero impera e na vida adulta ocorre a entrega.
Contudo se na adolescência e na vida adulta crescem o medo, a insegurança, a imaturidade, na infância este sintoma já é percebido. Eles estão lá, imersos no personagem, como que “crescendo” com ele. E o evento onde se fazem presentes é a afirmação do personagem que diz não ter medo do troll por ser dia.
A entrega do personagem na vida adulta simboliza a perda, a perda de tudo: do que deixou de construir, da família, do desejo da adolescência. Ou seja, ele chegou ao fim de sua vida antes mesmo de morrer. Para tanto buscou o troll, seu objeto de adoração e temor, porque se sua vida chegou ao fim e seu corpo não tombou, era a hora de cumprir sua promessa (de infância).
E mais uma vez mestre Gaiman fez o que seus leitores não esperavam – ou talvez esperassem mesmo: a surpresa. Este é um dos finais mais lindos de sua obra. Enquanto se esperava que o troll desmembrasse o corpo do personagem, comesse sua carne, bebesse seu sangue, ele tão simplesmente trocou de corpo com o personagem. A descrição da visão do personagem olhando seu corpo novo, suas mãos peludas, olhando o sorriso do troll no que fora anteriormente seu corpo é de uma sutileza ímpar, que emociona o leitor, descortinando essa transmigração de almas diante de nós.
Obrigado, mestre Gaiman.

Um trecho deste conto pode ser conferido em aqui, e esta é a sinopse do filme.

Em 27/10/2010

terça-feira, 8 de março de 2011

Entrevista com Papai Noel e Ling e Ping


Esta é a primeira da série "Entrevista com personagens", onde o Mundo da Penumbra entrevistará personagens, segundo a visão de seus autores. Os personagens abaixo são do escritor Thiago, de Carta para a Companhia Noel.

Após os festejos de fim de ano e as merecidas férias de Papai Noel e sua trupe , conseguimos uma entrevista exclusiva com o dono da Companhia Noel - sim, ele mesmo - e seus ajudantes mais próximos, Ping e Ling.

Mundo da Penumbra: Em primeiro lugar gostaria de agradecer a atenção de vocês em responder ao Mundo da Penumbra. É uma honra para nós entrevistar entidades natalinas importantíssimas.

Noel: Ora, nós da Companhia Noel que agradecemos pela oportunidade.

Ling e Ping: E pela propaganda.


Mundo da Penumbra: Como é para você, Noel, dirigir por tanto tempo uma empresa líder de mercado como a Companhia Noel?

Noel: É uma satisfação. A cada ano que passa os nossos negócios aumentam. E devo tudo isso às pessoas que não param de ter filhos, um atrás do outro.

Mundo da Penumbra: Uma curiosidade que muitas pessoas tem é a respeito do critério do quê é ser bom ou mau garoto. Como é empregado esse conceito e quem observa essas crianças?

Noel: Bem, você tem que ver que as coisas mudaram, desde a época que fundei a empresa. Antes a fábrica se localizava em meu chalé de verão lá no pólo norte, mas com o passar do tempo o dinheiro foi entrando, e eu fui investindo cada vez mais até a empresa virar a multinacional que é hoje. E com o conceito de “bonzinho” e “vilãozinho” aconteceu o mesmo.
No início era bem mais fácil, não tinha tantas pessoas para julgarmos as ações. Podíamos avaliá-las por tudo o que elas faziam, e na véspera de Natal a presenteávamos. Hoje em dia as coisas mudaram, as crianças não são mais as mesmas. Os pensamentos delas são outros, e os critérios também. 50 anos atrás, se uma criança xingasse o pai, ela ficava de castigo e, por reciprocidade, não recebia o presente da Companhia no Natal. Mas hoje em dia, no século 21, as coisas estão muito diferentes, os valores mudaram. Em outras palavras: se a criança não matar e não colocar fogo na árvore de Natal, o resto está valendo.

Ping: Como o Noel falou: as coisas mudaram desde aquela época...

Ling: Eram tempos gloriosos, que faziam biscoitos para deixar para o papai Noel e ele contrabandeava para nós. Mas hoje em dia as crianças não querem saber de ter trabalho, compram os pacotes de biscoitos e pronto. Não tem mais aquela mágica de antes. Não valorizam as tradições.

Ping: Sem contar que algumas só deixam duas ou três bolachas e comem o resto do pacote. Crianças egoístas.

Ling: Mas voltando a sua pergunta, sobre quem avalia o critério, somos nós, os duendes mesmo. Noel é um cara muito ocupado, e tem que cuidar dos negócios da empresa...

Noel: Hohoho.

Mundo da Penumbra: Alguém já tentou enganá-lo negando ou afirmando algo que fez ou deixou de fazer?
Noel: Desde que o mundo é mundo sempre vão existir espertalhões. Isso acontece a todo ano. Por isso, aumentamos a nossa tolerância do que é certo ou errado, se não a empresa ia acabar falindo.

Mundo da Penumbra: Agora aos duendes, como é para vocês trabalhar na Companhia Noel?

Ling: Bem, ele nos trata como escravos. (risos)

Ping: Trabalho escravo mesmo. Somos operários e não recebemos nenhum direito trabalhista assegurado. (risos)

Noel: Hohoho.

Ling: Agora falando sério. Nós gostamos, podemos fazer o que queremos. Noel é um ótimo patrão, ele nunca nos perturba. Podemos criar a vontade que tudo sempre está bem. Ele é bem diferente dos outros espíritos...

Noel (interrompendo): Eu acho que para uma empresa crescer, o chefe tem que ser como um dos empregados, não ter distinção de cargo.

Ping: Ele é inconveniente. Mas é um bom cara, um bom administrador. A empresa não estaria no mercado esses séculos todos se ele não fosse.

Mundo da Penumbra: Já receberam propostas de outras empresas, como a Mattel, por exemplo?

Ping: Certamente. A concorrência sempre nos aborda com propostas. Falo por mim, não pelos outros. Eu nunca me venderia por menos de 5000 ao ano.

Mundo da Penumbra: E a segurança na linha de produção? Ela existe mesmo? Ou os duendes trabalham em condições impróprias?

Ling: Isso de insegurança no trabalho é história do populacho. Sempre vai ter alguém para reclamar. Você já ouviu alguém dizer que soube de um duende que morreu? Então. Somos que nem os anões.

Ping: A diferença é que eles tem a perna torta e são barbudos.

Ling: Isso depende, eu outro dia saí com uma, que meu amigo...

Mundo da Penumbra: Quais foram as coisas mais sem graça que já pediram?

Noel: Lembro de um garoto que pediu uma bola. Foi um tal de Edson, e se não em engano ele era do Brasil.

Entrevistador: do Brasil?

Noel: Sim, o povo daí geralmente não tem muita criatividade para presentes.

Ping: Lembro que uma garotinha pediu que os pais voltassem a ficar juntos. Foi um tédio só, eles eram muito caretas.

Ling: E quando aquele rapaz quis passar para faculdade, contando que o idiota era um cdf do cacete (risos). Acho que foi o presente mais fácil.

Mundo da Penumbra: E o presente que se recusaram a fazer?

Noel: Nunca nos recusamos a fazer presente algum. Tentamos atender a todos os pedidos sem distinção.

Mundo da Penumbra: Você poderia nos contar, Noel, o que personalidades históricas pediram?

Noel: Teve a vez que Colombo pediu para provarmos a teoria maluca dele de que a Terra era redonda. Eu fiquei meio contrariado com aquilo, sabe? Viajo há séculos para saber que a Terra era plana, mas como era um pedido, eu realizei e olha no que deu! Agora todo mundo acredita na baboseira dele.

Teve o Chaplin, que pediu aquele chapéu. Não foi um pedido grandioso, mas ele fez história, hohoho. Um bom garoto, o Chaplin.

Teve a Mulher Melancia e você já sabe bem o que ela pediu.

Um que me deixa orgulhoso e triste ao mesmo tempo foi o Hitler. Ele me pediu tanto o poder para dominar o mundo e chegou no final das contas o perdeu.

Sansão foi um cara maneiro, cabeludo. Eu gostava do estilo dele.

Mundo da Penumbra: Uma pergunta que nos chega por e-mail de um leitor do Mundo da Penumbra é: “como o Papai Noel atende a todos se ele sempre chega à meia-noite”?

Noel: Isso é simples. Temos redução no Imposto de Renda a cada dois presentes que entregamos, e tudo é revertido nas horas de entrega. Se entregamos dois presentes, a hora volta à meia-noite.

Mundo da Penumbra: A Marizette, que acabou de ligar para mim a cobrar, pergunta se crianças que não acreditam em Papai Noel, nem são cristãs ganham presentes se forem boas.

Noel: Com o tempo aprendemos a lidar com as coisas. Estamos em uma nova era, ninguém mais acredita no que não é lógico. A companhia Noel conseguiu burlar essa coisa toda, e não enfraquece com a falta de crença. E como só aparecemos por aqui uma vez ao ano e o relógio sempre fica voltando, só ficamos nessa terra uns dois minutos.
A empresa não faz distinção de crença ou descrença, fazemos o nosso trabalho. É com isso que acreditamos que vai chegar um dia e todos voltarão a acreditar na Companhia Noel.

Mundo da Penumbra: E uma criança egípcia, indígena, tibetana, que não faz nem idéia do que é o Natal, também ganha presente se obedecer a Rá, Tupã ou Buda?

Noel: Até ao Shalamar. Eu já disse, todos recebem presentes.

Mundo da Penumbra: Qual a mensagem que vocês deixam para as crianças que não foram atendidas esse ano?

Noel: Que continuem utilizando os produtos da Companhia Noel, pois o nosso dever é sempre servir bem a vocês.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Te estranho

Mais um poema falando do sentimento que é ser tricolor. E me repito ao afirmar que sê-lo não é coisa fácil. Ainda mais na difícil hora da crítica. Na escura hora de reconhecer os erros do passado vergonhoso, embora tenha sido o presente o real motivo do nascimento deste poema. Assim como em "Homenagem ao título de 2010", que compus em cima do poema "Mãos dadas", de Drummond, "Te estranho" compus sobre a letra da música homônima, um dos boleros antigos cantado por Luis Miguel.

Te estranho

Te estranho
Como se estranham as noites sem torcida
Como se estranham as sonolentas manhãs de trabalho
Não estar contigo, por Deus, me causa dano

Te estranho
Quando assisto, quando choro, quando rio
Quando o sol brilha (e queima), quando faz muito frio
Porque te sinto como algo muito meu

Te estranho
Quando elitiza os ingressos
Nessas noites de quarta-feira que não concilio o sono
Tu não imaginas, amor, como te estranho

Te estranho em cada passo que dou solitário em direção ao estádio
Cada momento que estou vivendo longe de ti
Estou morrendo, amor, porque te estranho

Te estranho
Quando pintas nossos atletas de pó
Com tuas virtudes, com todos teus horrores
Pelo que queres não ser, por isso te estranho
Te estranho,
Meu querido
Fluminense.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O estranho Jack


E eis que nasce mais uma obra inspirada no cinema. Após assistir pela enésima vez O Estranho Mundo de Jack, do genial Tim Burton, resolvi escrever algo entre um poema tradicional e um poema em prosa. Quando me dei conta, estava cantando e batucando na mesa uma melodia com estes mesmos versos aí embaixo. No mesmo dia conversei com o Thiago e fomos traçando idéias mirabolantes para esta minha estimada pérola irregular. Ainda estamos em fase de estudo mas... quando o Jack chegar... ele vai pegar você...!

O estranho Jack

Narrador:
O estranho Jack, o rei do horror
Prepara novos truques de pavor
Girando manivelas, bonecas magricelas
Cera quente, para o escuro: velas
E o roçar de ferro retorcido
É música boa para seus ouvidos
O estranho Jack já preparou
Muitas brincadeiras para o monstro que soltou

Jack:
Criar novos truques é a minha diversão
Te matar de susto, muitas vezes, um montão
E quanto mais – muito mais – muito mais, melhor
Segure sua cabeça para evitar o pior
Vou te girar, te girar sem parar
No alvo de dardos para te acertar
Não se preocupe, vomitar não vai
O peixe em sua boca, ele não cai

Crianças:
Aqui na Cidade do Halloween
Não permitimos balas de festim
Eu sou o Jack – Jack – o estranho Jack
O pesadelo de senhoras de leque

Narrador:
Correndo com pressa o Jack vai
Atravessando a ponte do rio que cai
À casa da boneca de pano, sua amada
Dar a ela uma boa torturada
O Jack a cobre de beijos e carícias
Sempre antes de suas sangrias
E no porão ela espera de montão
Os pratos de verme a sua refeição
Mas quem pensa que o Jack é mau
É porque não viu ainda nada igual
Ele ama aqueles que se mexem
Para que seus olhos para sempre se fechem

Crianças:
Aqui na Cidade do Halloween
Não permitimos balas de festim
Eu sou o Jack – Jack – o estranho Jack
O pesadelo de senhoras de leque

Narrador:
No fundo do baú ele procura feliz
O precioso instrumento de torcer nariz
Ele está reservado para um garoto abusado
Que chega na escola sempre atrasado
O Jack o espreitará embaixo da cama
E depois encherá seu sovaco de lama
E do terrível torcedor de nariz
O moleque não escapará nem por um triz
E com muita lama e leite pelo seu corpo
O Jack chamará um monte de porco
E com um bilhete no dedão do pé
O Jack deixará seu recado com fé

Jack:
Diga, moleque, que eu vim
Da terrível Cidade do Halloween

Crianças:
Aqui na Cidade do Halloween
Não permitimos balas de festim
Eu sou o Jack – Jack – o estranho Jack
O pesadelo de senhoras de leque

Narrador:
O prefeito da cidade mandou buscá-lo
Os morcegos com cabeça de galo
Voaram – voaram –, voaram – voaram
E no castelo do Jack o encontraram
Ele precisava salvar o cavalo do prefeito
– Oh, que dia mais perfeito! –
O cavalo carnívoro comeu uma gata
Feiticeira muito braba
Então o Jack cortou veias e artérias
Enquanto pessoas olhavam sérias
Pôs nas cavidades sanguessugas
Fedorentas, nauseabundas
Dentro do cavalo a gata feiticeira
Se dividiu em muitas maneiras
Logo as sanguessugas sugaram tudo
Toda a feitiçaria para seu mundo
E assim o Jack, o rei do horror
Resolveu mais um caso com louvor

Narrador:
Mas o monstro verde que o Jack soltou
Muitas pessoas devorou
Pernas, braços, costela e cabeça
Estavam espalhados – mas que beleza!
O monstro verde avermelhou
As ruas e vielas por que passou

Jack:
O monstro verde eu soltei
Para as brincadeiras que preparei
Fechei ruas, avenidas – sem-saída
Para resultados suicidas
Ofereci guilhotinas, venenos e forca
Para que o monstro não te morda
Minhas alternativas são de matar
Que grande piada isso irá terminar
Por isso rio – rá rá rá
O monstro verde só quer um amigo para brincar...

Crianças:
Aqui na Cidade do Halloween
Não permitimos balas de festim
Eu sou o Jack – Jack – o estranho Jack
O pesadelo de senhoras de leque

Jack:
Diga, moleque, que eu vim
Da terrível Cidade do Halloween

Em 09/02/2011

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Impressões do Pará (numa infância que não vivi)





















Hoje posto aqui um poema de que gosto muito. Apesar de pequenino ele tem um significado muito especial para mim. Ele representa todas aquelas estórias que minha mãe me contava sobre o Pará - o Ver o Peso, as embarcações atracando, as festas dos marinheiros, as frutas que para mim me soam até hoje como puro exotismo. Cada uma destas estórias fez parte da minha infância, mesmo não as tendo vivido. Ouvia-as atentamente e criava um mundo de magia e mistério, como era a minha Belém do Pará imaginária. E até hoje não consigo dissociar a fantasia da realidade quando se trata deste lugar.
Então, já adulto, resolvi homenagear este reino mágico do qual muito me servi e que tornou minha infância feliz. Ele é pequenininho, mas seus versos são mágicos e fixam-se na mente, como a infância.

Impressões do Pará (numa infância que não vivi)

Tacacá e tucupi
No toco de tucumã
Sapoti e tucunaré
Aos pés do igarapé

Em algum lugar entre 2006 e 2008, relembrado em 17/12/2010.